Conheça a história de Solange Sato. Uma cianortense que viu na alegria de uma vira-latas uma fuga da depressão, virou influencer e tomou coragem para retornar, pela segunda vez, a morar no Japão.
PIPOCA
Primeira postagem em busca de um lar para Pipoca, uma cachorrinha que iria entrar pra história de vida de Solange Sato. Foto: Divulgação
O que é que uma vira-latas pode significar na vida de uma pessoa? A cachorrinha Pipoca, tem uma participação especial em um momento crucial para a cianortense Solange Sato, a Sol. Tudo começou quando essa que escreve essas mal traçadas linhas digitais resgatou Pipoca, em meados de 2018, após sofrer maus-tratos e ser abandonada nas ruas. Pipoca ficou em casa como lar temporário mais de um ano, à espera do milagre da adoção. Muito elétrica, latia demais, pulava ainda mais! Igual Pipoca na panela. Então um dia, no mês de dezembro daquele ano, Solange postou no Facebook que ela e o esposo Silas desejavam adotar uma cachorrinha, porte pequeno. Pipoca era porte médio, mas ainda assim a adoção deu muito certo. E naquele mesmo dia ela já apareceu em uma foto da família. Para quem foi abandonada como lixo, ganhou o lugar de uma joia preciosa.
No primeiro dia a Pipoca já entrou pra foto da família! Foto: Divulgação
Eu queria adotar uma outra cachorrinha para fazer companhia para a que eu já tinha, a Hiuna. E eu queria uma de porte pequeno também. Quando ela chegou, queria atenção e era bem sapeca. Pipoca conquistou nossos corações. Todas as gracinhas dela aqueciam nossos corações. E quando eu estava triste e com pensamentos ruins – muitas vezes em alguns estágios da depressão eu pensei em me machucar – a Pipoca sempre esteve ao meu lado. E parecia que ela sentia que eu estava prestes a fazer algo ruim comigo mesma. Então ela chegava fazendo gracinhas, olhando fixa pra mim e logo aqueles pensamentos ruins iam embora. Comecei a reparar na felicidade dela. Na confiança que ela tinha mesmo tendo sofrido, ela queria e dava amor. Ela me salvou muitas vezes!
É muito importante lembrar sobre o quanto é importante respeitar os animais, a Hiuna e Pipoca me ajudaram e ajudam a ver o quanto minha vida é importante. Mesmo a Pipoca tendo sofrido maus- tratos, ela se dispôs em voltar a amar, a me amar como sua tutora .
DONA DE CASA E INFLUENCER
Em 2018, época em que adotou a Pipoca, Sol ficava horas e horas observando a cachorrinha fazendo graça. E era tudo tão divertido, que começou a tirar fotos e postar no Instagram. Depois, ela conheceu um perfil em que a pessoa compartilhava o dia a dia. E Sol pensou que poderia contar sua história também. Ela se reergueu um pouco da depressão. “A gente não sai do estado de tristeza total. E ainda assim, passei a compartilhar a vida real, vida sem máscara”, conta. E ela passou a mostrar suas atividades de dona de casa que economiza e reusa água da máquina e produtos de limpeza. O cuidado com os cães, a separação de lixo, o uso da energia solar. Abriu espaço para as receitas, seu amor por seu lar. “E a gratidão por mais um dia de vida que Deus me deu eu para acordar cedo e lutar”, destaca. Sol passou a brilhar nas redes sociais e chamou a atenção da empresa Girando Sol, que a convidou para ser embaixadora da marca por um ano. E ela também recebeu cachê de marcas importantes como a Confort e marcas de cosméticos, como a Embeleze. “Tem as coisas que a gente passa sozinho, não conta pra ninguém, é só você e Deus…”
Quando Solange virou embaixadora da marca Girando Sol. Foto: DivulgaçãoAs cachorrinhas fazendo publi.Foto: DivulgaçãoPor um ano, Solange foi a embaixadora da marca Girando Sol. Foto: Divulgação
A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA EM MORAR NO JAPÃO
Em 2015, Solange Sato e seu esposo Silas, foram pela primeira vez ao Japão motivados conseguir guardar dinheiro e comprar sua casa em Cianorte. Sem dever nada para ninguém! Isso ocorreu depois que ela teve uma enorme decepção, quando deixou de fazer uma festa de casamento, para dar entrada em uma casa financiada. Mas, ela descobriu que não podia financiar.
Solange trabalhava registrada e a pessoa não contribuía e, assim, não podia usar o FGTS que imaginara ter disponível. Seu esposo trabalhava na farmácia da Santa Casa e ela em um centro de educação infantil particular. Juntando os salários não conseguiam pagar nem mesmo a prestação da casa.
Foi então que decidiram mudar de vida, literalmente. Traçaram uma meta, o tempo necessário para ficar no Japão para realizar o sonho. E lá foi quase um ano para conseguir os papeis. Também asseguraram antes que teriam um parente no Japão, para dar abrigo, caso encontrassem algum problema por lá. Isso é necessário para tirar o documento chamado elegibilidade, que o governo pede para se houver algo, esse familiar se responsabilize pelos imigrantes.
“Foi chocante, mas não era como eu imaginava. Não é tão fácil como os youtubers falam… Os japoneses trabalham no mínimo 12 horas, até 16 horas.”, conta. Seu trabalho, em uma fábrica, um lugar todo fechado, não lhe permitia ver nem mesmo o céu. Sem nada ver, vinha a agonia e uma espécie de aflição em só respirar o ar do ar condicionado, do exaustor. Solange, a Sol, não via o sol…
Esse cenário era tristonho e o excesso de silencio lhe tocava. “No Brasil você já acorda cedo com o vizinho ligando o rádio, tocando música, as casas são muito coloridas. Ao menos nas duas cidades que morei achei apagadas”. A primeira cidade era a província de Aichi- Okazaki-shi e a outra, província de Fukui- Echizen-shi onde trabalhou nas empresas Anden e na Murata, sucessivamente.
Os primeiros seis meses foram regados de muita agonia, saudades do Brasil, da família, da mãe, da cachorrinha Hiuna. Solange queria voltar, mas quando lembrava do objetivo principal, engolia seco e tentava mais um dia.
Com o passar dos meses, ela foi se adaptando. “Comecei a me virar sozinha , a ir no mercado , a receber encomendas em casa falando o mínimo em japonês”, relembra.
Quando Sol estava em seu segundo emprego, ela passou muito mal de saúde, com a pressão subindo, sentindo muito cansaço físico. A fibromialgia dava seus sinais, e com ela a memória de um passado dolorido. Aos 19 anos ela sofreu um grave acidente. Ela perdeu o pai e o trauma abalou sua vida para sempre. Foi quando surgiu a fribomialgia, com a qual ela luta há quase 15 anos, desde quando teve o diagnóstico.
Mas agora, as dores iam além do que já sentia. Ela foi ao médico e comentou que uma vez no Brasil suspeitou que poderia ser lúpus e, foi então, que o médico, no Japão, identificou a doença. Para fazer o tratamento Sol teria que pagar um tradutor e isso significava que teria que desembolsar muito dinheiro. E assim, a meta de ficar no Japão teve que ser revista. “Era para a gente ficar mais um ano e meio, mas voltamos após dois anos”, lembra. Sol e seu esposo priorizaram sua saúde. Afinal, mesmo pagando um plano de saúde ela não conseguiria se tratar.
Planta da tão sonhada casa. Foto: DivulgaçãoA casa quase pronta. Foto: DivulgaçãoO sonho da casa própria realizado. Foto: Divulgação
De volta ao Brasil, a meta e objetivos não estavam totalmente concluídos. Mas o casal estava com uma casa confortável, no meio do terreno, como desejavam, realizando o sonho de ter a casa própria e pronta.
CHOQUE CULTURAL
Mas o retorno à terra natal provocou um outro choque de realidade. Solange já não se lembrava de Cianorte como era antes. No Japão acostumou-se com o cuidado com o lixo nas ruas e, também, com as pessoas conversando baixo para não incomodar o próximo. E ao chegar no Brasil, ficou impactada e impressionada. E a mesma sensação de tristeza que sentiu ao chegar no Japão, ela teve no seu retorno ao Brasil. “Eu demorei para me adaptar novamente, e acho que nunca me adaptei totalmente, pois eu queria voltar.”
Então, ela teve outra recaída, pois foi muito difícil aceitar a doença e se acostumar de novo no Brasil. “A Pipoca meu ajudou muito. Cachorro pra mim é tudo. Ela foi e é muito importante pra mim”.
Ao ter o diagnóstico confirmado do lúpus, aqui no Brasil, Sol não queria aceitar. Ela sentia dor, cansaço, os anticorpos faziam mal e a depressão batia à porta. Foi quando ela adotou o serzinho canino, batizada de Pipoca, com a qual inicia esse texto. “Ela teve um papel principal pois me ajudou muito. Eu sofria de depressão, posso colocar no passado. Não vou colocar no meu presente nunca. Desde quando eu tinha 9 anos, quando eu saí do sítio e fomos morar na cidade. Sofria bullying na cidade, perdi todo meu cabelo por estresse e tristeza. Eu ficava pensando em formas de acabar com meu sofrimento. Sofri com depressão quase a adolescência inteira. Quando meu pai morreu, aquilo tudo voltou…”, relembra Solange.
Então, Solange começou seu tratamento e obteve melhoria da sua saúde. Mas o sentimento de não ter concluído seu objetivo estava vivo. “Mas sempre pensando se deveria voltar ao Japão, não para ficar rico, mas economizar bastante no Japão para conseguir algo no Brasil. Tudo é acessível para um funcionário de fábrica, mas se a gente comprar tudo que é acessível não conseguimos economizar nada”, adverte Solange.
DE VOLTA AO JAPÃO
Em 22 de março de 2022 o casal já estava novamente no solo do Japão. Antes da decisão de mudar novamente para o Japão, a preocupação era com as cachorrinhas Luna e Pipoca. “Então, a minha mãe se prontificou a ficar com as minhas cachorrinhas e aproveitamos a oportunidade e vimos mais uma vez pra cá”, explicou Sol. “Atualmente elas estão na casa da vovó, minha mãe, que está cuidando muito bem, até voltar ao Brasil, que espero ser em breve. A saudade é imensa, e nos momentos difíceis aqui elas fazem muita falta. Com o amor dessas cachorrinhas e a simpatia delas por nós os problemas e adversidades ficam pequenos. Sem elas não teria forças para me reerguer e correr atrás dos objetivos”.
Solange e Silas, com as inseparáveis Hiuna e Pipoca, ainda no Brasil. Foto – Divulgação
Para Sol, retornar ao Japão, significa uma outra experiência para a qual mudou seu ponto de vista. “Agora enxergo com outro olhar. Vejo como oportunidade. É muito fácil você pegar o dinheiro e gastar, ao em vez de aplicar em seu objetivo. Vim pra a província de Gifu-ken cidade Kani-shi. Aqui é mais colorido, toda casa tem jardim, hortas no meio da cidade. Ninguém mexe em nada que não seja seu”, conta.
Dessa vez seu trabalho é em uma empresa japonesa e, portanto trabalha e convive mais com japoneses. “Eles têm paciência para ensinar. Trabalho em uma empresa de plástico, para medicamentos. Continuo fazendo meu tratamento e com muita saudade do Brasil.”
A VIDA NO JAPÃO
Com dez mil seguidores, ao mudar para o Japão, Sol teve que encerrar os contratos publicitários. Logicamente, ao chegar ao Japão notou que caiu um pouco o engajamento nas redes, inclusive por conta do fuso horário que interfere na interação simultânea. Mas, ainda assim, ela continua fazendo o que gosta, que é mostrar seu cotidiano, interagir com mulheres que dedicam-se ao trabalho em casa, que passam alguma dificuldade. “Sempre quis mostrar que mesmo vivendo de forma simples, precisa ter orgulho da nossa casa, das pequenas conquistas”, destaca. E fala de sua nova dinâmica. “Agora é a vida real de uma dona de casa que mudou para o Japão e trabalha fora. Devagar vai indo. Tenho planos de no futuro abrir um canal no youtube”, explica.
Ela conta que sua vida no Japão tem pouco lazer, em virtude do trabalho, mas ainda assim ela e o esposo aproveitam como podem.
“É exaustivo principalmente pra mim que já tenho doença crônica. Mas sempre que vou aos parques, que é um lugar que amo.” No Japão tem muitas áreas verdes e muitas flores. O público tem acesso a banheiros, máquinas com chás, água, sucos e refrigerantes para enfrentar a sede no calor. “É só colocar uma moeda e você já tem água gelada . Alguns parques são gratuitos, outros tem que pagar pra entrar mas é barato. Tem um rio no meio da cidade. Limpo, é maravilhoso. Dá para molhar os pés e relaxar. Tem a opção de shopping é bem divertido, com muitas lojas e restaurantes. Tem games, aqueles de tirar urso na máquina . A gente se diverte . Tudo é bem acessível. Qualquer trabalhador aqui consegue ir ao shopping e comprar um tênis original.”
Tonkatsu kare – Lombo de porco, com arros e curry. Foto: DivulgaçãoTonkatsu kare – Prato típico japonês. Foto: Divulgação
Solange fala a respeito da diferença da cozinha japonesa em relação à brasileira. ” Aqui é o mais tradicional da culinária japonesa. Sushi (algas, arroz e peixe), sashimi (salmão cru), tonkatsu (carne de porco empanada), oniguiri (bolinho ou triângulo de arroz temperado, enrolado em algas), lamen (caldo de carne de porco, com macarrão e verduras) udon (macarrão, às vezes servido quente, tipo sopa) . Tudo delicioso e eu amo. Desde a loja de conveniência até o McDonalds são diferentes do Brasil. Tem lanches adocicados, McDonalds de camarão. E em casa preparo arroz japonês, o famoso gohan, o arroz cozido sem tempero, sem nada, não contém legumes, e feijão, que compro no mercado brasileiro, ou no famoso Costco mercado importado. A carne vermelha no mercado japonês é gordurosa”, explica Sol.
A sala de uma família de trabalhadores, no Japão. Fonte: DivulgaçãoQuando chegaram no Japão, o fogão era alugado. Depois adquiriram um próprio. Foto: Divulgação
Solange conta que a residência é simples, e ela e o esposo estão montando aos poucos. Eles pagam aluguel de um apartamento de dois quartos, sala, banheiro e cozinha. A locação foi realizada através da empreiteira que a contratou. Diferente do Brasil, no Japão é comum o aluguel de objetos domésticos. Atualmente o casal tem o próprio fogão, mas de início era alugado, assim como a geladeira e a máquina de lavar. Mesmo sendo uma moradia simples, há recursos imprescindíveis para um país gelado, como o famoso ofurô, porém, em estilo moderno; água quente em todas as torneiras; vaos sanitário com bidé embutido, bastando apertar um botão para soltar a água e o assento do vaso sanitário tem a opção de ficar quentinho no inverno. O papel higiênico é jogado diretamente no vaso sanitário, já adaptado para dissolver o papel. “Temos dois aparelhos de ar-condicionado. Meu prédio é de madeira e o apartamento tem duas sacadas. Então as paredes todas tem papel de parede. Temos interfone com câmeras. Alguns armários já embutidos e um quarto de tatame bem tradicional no Japão”, detalha.
Meu sonho se eu pudesse trazia todo mundo pra cá, só de vim e conhecer os parques já é tudo. Tudo bem preservado, eu amo isso. Nas fotos, todos os parques são com entrada gratuita. Meu sonho é que o Brasil tivesse parques assim também, espalhados pelas cidades. Foto: Divulgação.
Quando questionada sobre uma mensagem que deixaria a quem deseja morar no Japão, ela sugere:
“Primeiro de tudo se organizar, se preparar financeiramente pra não passar necessidade nos primeiros meses. Se preparar psicologicamente, grande parte dos brasileiros quando chegam aqui sofrem de depressão, crises de ansiedade, pânico. Longe da família, de amigos e conhecidos nos sentimos só. Eu ainda tenho meu esposo, mas tem a galera que vem solteiro e passa por momentos de solidão sem alguém para conversar. E persistir, foco, fé. A vida no exterior não é melhor que a vida no Brasil, para alguns é até pior por causa do trabalho pesado. Não importa se aqui o dinheiro tem mais valor ou se aqui o poder de ostentar seja mais fácil. O Brasil sempre será nosso lar. Confie, acredite no final dará tudo certo.”
As fotos abaixo foram feitas nos parques Yamakusu Park , inicio da primavera de 2023, com ênfase às flores de Sakura e Gifu World Rose Garden
Parque do BambooFerrovia na cidade de KaniTemplo em Minokamo
Que história edificante a da Solange e do Silas. Que bom que as dificuldades da vida dela serviram para o crescimento em todos os sentidos…
Aida, parabéns pela reportagem
Que história edificante a da Solange e do Silas. Que bom que as dificuldades da vida dela serviram para o crescimento em todos os sentidos…
Aida, parabéns pela reportagem